Friday, June 10, 2005

Automitografia (pt3)

Os Montecchio e os Capulleto há muito que tinham os seus rancores, tudo era desculpa para uma zaragata, o mais pequeno gesto ou olhar dava origem a um espectáculo, não poucas vezes manchado de sangue e violência.
A minha morte e a de Julieta (ah doce Julieta) levaram, ao menos, ao fim dessa inútil disputa, disputa da qual nenhum dos lados se lembrava da origem, tinha-se tornado mais uma desculpa para alguns se afastarem do seu dia-a-dia! Os próprios criados criavam zaragatas entre si! Isto, claro, para que os seus amos não fossem humilhados, pois! Farto de tanta desordem, ainda por cima criada por duas das mais influentes famílias da cidade, o príncipe «explodiu» e ordenou a pena de morte para quem mais uma vez disturbasse a paz da cidade.
Não pretendo ser historiador mas, se a memória não me falha três guerras civis tinham sido desencadiadadas pelas minhas duas famílias.
Mas deixemos, por enquanto, estes factos históricos e familiares e passemos a um resumo das minhas “actividades”. Tinha nesta altura dezasseis anos e tinham os meus olhos passado por uma certa donzela de seu nome Rosalina, o meu coração, pensava eu, tinha acelerado, os meus olhos nunca tinham visto nada igual e eu senti-me apaixonado. Disse-me depois Frei Lourenço «…o amor dos jovens não reside no coração, mas sim nos olhos.». Na impossibilidade de chegar ao objecto do meu amor, fechava-me em casa, no meu quarto, tornando o dia em noite, única altura em que conseguia sonhar, e sonhava com ela. O meu querido primo Benvólio e o meu fiel amigo Mercúcio querendo-me são e não doente convenceram-me a ir a uma festa dada pelos rivais de minha família para que eu visse que o que eu sentia não era senão uma atração. Querendo-me salvar do amor puseram-mo como se de uma corda no pescoço se tratasse. Andando pelo salão, tentando encontrar Rosalina com os meus olhos, vi a mais bela mulher de que o mundo tem lembrança, Julieta! Dizem que só se começa a viver depois de amar, eu pensava que já tinha começado a viver antes de conhecer Julieta, mas não!
Só a partir do momento em que os meus olhos a viram, é que o meu coração começou realmente a bater. Senti-me como que… Já amaram realmente? Sim? Então sabem o que quero dizer, há coisas que as palavras não conseguem exprimir, esta é uma delas. Mais vale viver do que sentir. Posso dizer que no momento em vi Julieta senti que o meu coração me tinha enganado até aí, era impossível eu ter amado … ah! Rosalina.
Não podia partir sem a ver mais uma vez, sem lhe dizer o que sentia. O meu coração já tinha inscrito nele o nome de Julieta! Meu pai diz que nessa noite vi o meu sol na varanda, e quem melhor do que ele para exprimir o que nós por vezes não conseguimos? O meu sol, nem menos, só mais do que isso. Julieta tornou-se nessa altura o meu sol, o meu norte, a minha razão de viver e morrer. Até de morrer, ah! como eu a amava, e amo ainda hoje. Falando com ela nessa noite na festa e mais tarde no seu jardim, , para saber se ela também me amava, soube que o meu sentimento era retribuído. Dirigi-me a Frei Lourenço para que nos ajudasse, a nossa ideia era que ele nos casasse o mais depressa possível. Frei Lourenço pessoa a quem eu considerava um segundo pai disse que sim e que tentaríamos juntar o útil ao agradável, tentando que com o nosso casamento saísse a declaração de paz entre as nossas duas famílias. Fomos casados por Frei Lourenço, mas não posso esquecer a ajuda da fiel ama, que amava Julieta como se sua filha se tratasse.
Após o casamento e extasiado de tanta alegria, procurei Mercúcio e Benvólio para com eles a partilhar, encontrei-os na praça pública onde com Tebaldo se preparavam para lutar pela simples razão de um ser de uma família e o outro da outra. Tebaldo envolve-se com Mercúcio que tenta defender o meu nome e mata-o.
Mercúcio, meu querido e fiel amigo, amaldiçoa as duas casas, expirando. Eu desvairado trespasso Tebaldo com a minha lãmina. Tebaldo é morto, sem saber, por um familiar seu.
Após tudo isto esperando a morte, ganho o desterro.. Nessa noite fui ter com Julieta e tivemos a nossa única noite de casados, de madrugada fugi para Mântua. Foi também nessa noite que Julieta me disse que seus pais preparavam o seu casamento com Páris. No meu desterro tive um sonho que me sobressaltou, embora o não compreendesse corretamente naquela altura, a minha esposa veio ter comigo, eu estava morto mas ela beijando-me deu-me a vida. No dia seguinte Baltasar disse-me que Julieta tinha morrido, comprei então um veneno para morrer com ela. Não sabia nessa altura, só o soube depois de morrer, que Julieta estava apenas dormindo. Cheguei ao cemitério, para morrer junto da minha esposa, e aí encontrei Páris que não compreendendo a minha presença naquele lugar quis duelar comigo, momentos depois estava caído no solo morto pela minha espada!
Aproximei-me do túmulo (levando comigo Páris que tinha pedido que o colocasse no mesmo túmulo de Julieta) onde estava deposta Julieta. E como ainda a achei bela naquele momento! Chorando, levei o frasco de veneno à boca e bebi-o sentindo-me rapidamente inerte e ouvindo o meu coração bater cada vez mais lentamente, foi aí que morri e é aí que chegamos à minha terceira e última vida - a do limbo literário.

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