Monday, April 19, 2010

Pombo e Silva (2)

O caso do Rissol de Camarão como o apelidou Silva, com um ar saudosista, foi o momento alto da semana. O resto foi constituído pelo dia-a-dia costumeiro, rondas, pequenas ajudas, operações stop e a obrigação favorita de Pombo, a Escola Segura.
Pombo gostava de estar em frente da José Afonso, onde estudara anos antes. A escola mudara desde que ele de lá saíra, novos pavilhões, caras novas, tanto de docentes e discentes, como seria de esperar, mas também de auxiliares, o que não era menos expectável.
Pombo tinha boas memórias daquele local, à data considerada a pior escola do concelho. Ele gostou da passagem por lá, pelas Cavaquinhas, como era conhecida no concelho. Nos dois primeiros anos, a fama era merecida, a maior parte dos alunos do sexo masculino era assaltada todos os dias, a percentagem sobrante era constituída pelos meliantes. Apesar das mudanças, Pombo sentia-se em casa, talvez pelas conversas que tinha com duas ou três antigas professoras, que por ali ainda se mantinham.
Silva gostava menos daquilo, mas não se queixava muito, Pombo era competente e permitia- -lhe fumar e ir ao café de vez em quando. Para além da prevenção a que a presença da polícia levava, já que era dissuasora de diferentes hábitos e práticas, Pombo foi-se tornando conhecido, o que possibilitou vários contactos com os alunos, uns mais preventivos, outros mais pessoais. Ele lembrava-se da opinião que tinha enquanto adolescente da GNR de Paio Pires, preferia ser visto como um tipo porreiro e dar-se ao respeito do que como um agente que passava o dia no café e fingia trabalhar para fugir a algumas obrigações. Deixava isso, pensava cinicamente, mas com ternura, para Silva.
No dia em que prenderam os três falsos ciganos, era só parecença, foram até ao Café do Bairro, para falarem com a Dona Maria José, ainda não a conseguia tratar por Zé, e lhe explicar como levantar o dinheiro roubado, entretanto descoberto no porta-bagagens do Seat roubado.
Era a segunda vez que Pombo ali entrava e desta vez aproveitou para observar, não profissionalmente, mas enquanto cliente, o espaço. Em frente da porta o balcão, paredes roxas, com flores pintadas a preto, dez mesas com quatro cadeiras cada uma. Não era, nem gostaria de ser, decorador de interiores, mas aquela não era de todo a sua ideia de decoração, no entanto, a simpatia da dona e a qualidade dos bolos, segundo Silva, poderiam levá-lo ali algumas vezes. Não morava assim tão longe e o seu bairro não tinha nenhum café digno desse nome.
A Dona Maria José estava de calças de gang e t-shirt amarela, cor que caía bem na pele bronzeada. Pombo desconfiava que ela sabia disso. Sorria muito, um sorriso bonito que realçava a forma dos olhos, amendoada.
Silva tomou, mais uma vez, a dianteira. Deu os bons dias, pediu-lhe umas Pedras e disse-lhe que quando tivesse tempo eles gostariam de explicar-lhe o que acontecera e como podia reaver o que lhe fora roubado. Pombo pediu um café e uma Castelo, gostava de beber água com gás e não conseguia tirar o mesmo prazer de uma das Pedras, que achava ter muito pouco gás.
Silva bebeu a garrafa de um trago, e enquanto esperava que Zé atendesse os clientes, pediu um bolo e uma torrada.
“Já almoçaste, não? Ainda consegues comer isso tudo?” Perguntou-lhe Pombo, mais para o arreliar do que admirado com a capacidade devoradora do colega, já se habituara a isso. O outro não respondeu. A mulher despachou o novo pedido e sentou-se com eles, quando o trouxe.
Falaram durante algum tempo, explicando o sucedido e a forma como os tinham apanhado. “Se este tipo não gostasse de revistas para miúdos, se calhar estávamos na mesma cepa torta.” Disse Silva, com manteiga a descer pelo queixo.
Terminaram a conversa, Maria José não os deixou pagar nada do que tinham consumido e, com um agradecimento sincero, meteram-se no carro.
O resto da semana foi, então, banal, se exceptuarmos os pedidos de Silva, algumas vezes anuídos, a Pombo para passarem pelo café no Casal do Marco para comer(em) rissóis de camarão.

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