Wednesday, May 19, 2010

Silva e Pombo - 14 de Maio

14 de Maio – 6ª Feira

14horas

O dia está quente, não tão quente como fará, esperam, daqui a dois meses, mas o suficiente para os fazer esquecer da chuva e do frio. O inverno foi rigoroso mas, apesar do calendário dizer que já estão na Primavera, o clima parece até aqui desdizer o calendário.
Aproveitando o sol,e o facto das aulas terem terminado à uma e meia, Daniel convida-a a darem uma volta à praia. Escolhem a Lagoa ou o Meco como destino. A meio caminho, ela diz-lhe para pararem, ele dirige a mota para as árvores onde costumava “piknicar” com os pais quando era pequeno.
Ela sai da mota e encosta-se a uma árvore com um ar lânguido.



14 de Maio –6ª Feira

23h30

Pombo coça a cabeça, cansado e tentando antecipar o fim do turno, a mais de oito horas de distância.
Encontra-se perto da paragem da Arrentela, na marginal, antes do Eco-Museu. Paragem auto-stop, numa noite de sexta-feira, trabalho não há-de faltar. Ao seu lado, Silva acende um cigarro. Do outro lado da estrada, mais três colegas.
- Que noite. Já viste? Devem estar, o quê, uns 24 graus?
Pombo acena, a cabeça pesa-lhe. Já tomou três comprimidos para a dor de cabeça, mas esta subsiste, sabe que o mal está nas noites mal dormidas das últimas duas semanas. Há ainda pouco trânsito, por isso, antes de começarem a operação, Silva quer fumar um cigarro.
Quando este termina de fumar, começam a mandar parar carros. Não gosta desta tarefa, Silva muito menos. Eles os dois estão ali somente para prevenção, conferir limites de velocidade, taxas de alcoolemia e se os seguros estão em ordem ou não. Ao menos a noite está agradável. E o trabalho será menos pesado do que o dos colegas do outro lado da estrada, já que esses mandam parar os que voltam do Seixal.
Pombo cresceu em Paio Pires, Silva conhece meio mundo, há medida que vão pedindo aos condutores para parar, vão reconhecendo caras e encontrando amigos. Tanto um como o outro, cumprem o que lhes é pedido, mas acrescentam um ou outro pedido de desculpas, pelo tempo perdido, pelo transtorno.
Um dos que manda parar andou com ele à escola, comenta a noite que está e acrescenta que ouviu na rádio que Portugal tende a ter um clima tropical. Brasileiros já temos, diz, com um sorriso, ao menos que tragam o clima com eles.
Silva olha para o relógio.
-Pombo, fazemos uma pausa? Há uma hora que não fumo um cigarrito.
Fazem a pausa, Silva pergunta-lhe como vai a dor de cabeça, Pombo esqueceu-a, com o trabalho.
-Está melhor, já passou.
Mais umas semanas e começam as festas, no Seixal, na Torre e depois em Paio Pires. Pombo tem pena que não lhe dêem férias nessa altura. A confusão é muita e as noites ocupadas a passear pelas Feiras, nomeadamente pelas do Seixal e Torre da Marinha. Aquelas duas semanas, felizmente com uma de intervalo, cansam-no e desgastam-no. O som dos altifalantes, a música, os pequenos furtos, as bebedeiras, as ocasionais lutas, combinadas ou não, principalmente na Torre da Marinha.
-Silva, vá, estás despachado, ou quê?
Silva apaga a beata, aproxima-se da via e manda parar o carro, vira-se para Pombo e quase em sussurro realça a grandeza de Deus. Pombo estranha.
Mal o carro encostou à esquerda, Silva reconheceu a cara do GNR que o multara quase um mês antes. Tentou não sorrir, mas não conseguiu.
-Boa noite, senhor condutor. Os seus documentos e os da viatura, por favor.
O condutor parece atrapalhado, reconheceu-me, pensa Silva. Confere os documentos, tudo em ordem, mas um brilho no olhar do outro leva-o a pedir que saia da viatura e sopre para o balão. O agente da GNR hesita, olha para Silva e começa a balbuciar alguma coisa, Silva interrompe-o.
-Algum problema, senhor condutor?
-Sabe, Agente Silva, sou capaz de ter bebido alguma coisita a mais.
Silva mede o tom e o cinismo, acrescenta um sorriso e responde-lhe.
-“ Os agentes da autoridade têm de dar o exemplo, não é?”
O GNR, com ar irritado, sai do carro. Silva passa-lhe o balão.
- Sabe como funciona, certo? Ou quer que explique? É só inspirar e soprar até que lhe diga para parar.
Pombo observa a cena à distância, sem se aperceber da identidade do condutor. Estranha a postura do corpo de Silva, parece divertido, há algo aqui que não bate certo, pensa. Manda parar outro carro.
Silva termina o auto e pede ao GNR que lhe pague os 120 euros da multa, em dinheiro ou cartão. A fúria nos olhos do condutor é visível. Pombo estranha a demora do colega, está com aquele condutor há quase 25 minutos. Finalmente, ouve Silva desejar uma boa noite ao condutor. Desconfia que o tenha multado por excesso de álcool, estranha ainda mais que o tenha deixado ir. Silva pega no telemóvel, fala durante uns segundos e Pombo percebe que está a transmitir os dados do veículo. Vê-lhe um enorme sorriso.
- Para quem não gosta de passar multas, estás muito satisfeito.
- Era o Gê Nê RÊ que me multou em Paio Pires . Vomitou 120 euros e com sorte ainda vomita mais outros 120. Telefonei ao Chaves, estão ali no Alto das Cavaquinhas, tinham-me mandado uma mensagem para o telemóvel, houve um acidente, dei-lhe os dados do veículo, se passar por ali, é multado outra vez. Por isso é que o deixei ir. Não estava assim tão enfrascado, mas o suficiente para o balão se queixar.
- Tu às vezes… Mas mandaram-te mensagem porquê?
- Foi há coisa de 10 minutos, para irmos dar lá uma mãozita. Mas já não é preciso, já está no rescaldo.
Pombo sorri, a vingança fria é um prato delicioso.

14 de Maio

23h45

Os pais estranharam que Daniel não tenha saído, ainda para mais, numa sexta-feira à noite.
Daniel está sentado na cama, em frente à televisão, onde ganha 3-0 ao Real de Madrid com o seu SCP. Joga PES.
Ouve o telemóvel apitar com o tom de chegada de mensagem. 80 minutos de jogo. Já te dou a atenção devida. Nos dez minutos, menos do que dois minutos reais, que faltam o telemóvel apita mais duas vezes.
Tira o som da televisão e começa a ler as mensagens.
MSG1: De certeza k não queres vir beber1copo?Tamos no Seixal. Carlos
MSG2: Sabes da Filipa? Tem o tlm desligado. Susana
MSG3: A TMN oferece-lhe msgs grátis…
Apaga a última mensagem antes de a acabar de ler.
"Porra! Porra! Porra! E agora?"
Manda mensagem à Susana a dizer que não sabe nada da Filipa. Telefona para o Carlos. De início percebe que o amigo não o consegue ouvir. A chamada demora mais de 20 minutos, quando desliga a chamada, fica a pensar nas palavras do amigo. "Não te preocupes. Deve estar lixada contigo, só isso!"
Apaga a luz, mas passa a noite acordado, sem conseguir adormecer.A escuridão não o acalma, nem o adormce, bem pelo contrário, tolda-lhe os sentimentos e não pára de pensar para si mesmo, “ O que é que eu fiz? Filipa, onde é que estás?”
Liga-lhe várias vezes, mas o telemóvel continua desligado.

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