Thursday, May 14, 2009

Escreveu sem dizer nada a ninguém. Enviou o livro para algumas editoras, só uma lhe respondeu.
Acordaram numa edição curta. Autor novo, livro um pouco longo. Foram algumas das "desculpas" dadas.
O importante para ele era ser editado, embora não soubesse explicar porquê.
Uma, duas, três crónicas. Uma demasiado entusiasta, versava sobre a forma como uma palavra no meio do livro alterava todo o contexto e reformulava a imagem da literatura nacional.
Não percebeu. Uma palavra no meio do livro? Que raio...?
Agarrou numa das suas cópias e leu o que escrevera. Na página 150 depara-se com a palavra, obviamente um erro.
Nesse ano ganhou dois prémios e os seus livros começaram a ser editados em Espanha.
O sucesso foi retumbante.
Estupidamente, pensa. O meu desejo é alterar isto, colocar a palavra bem escrita, mas infelizmente um erro deu-me sucesso.
Anda, obviamente, com um bloqueio. Não consegue escrever nada. Não sabe o que as pessoas acharam do livro, toda a gente fala da inteligência daquela palavra.
A cirrose está a um passo, perdão, copo de se tornar realidade.

Friday, May 08, 2009

Gostava de te dizer pessoalmente o que sinto. Sonora e arrebatadamente. Mas tenho medo do tom de voz, e de ser mais ou menos espalhafatoso.
Todo eu tremo cada vez que olhas para mim. Gostava de ser dono dos teus olhos. De entrar dentro da tua alma, de te conhecer mais intimamente.
De antecipar cada palavra, cada sopro, cada suspiro. Acho que já o faço, mas dissimulo. Tenho medo da tua reacção. De te ouvir dizer “que não”, “afasta-te” ou “estás louco(?)”. E estou, imensamente louco por ti.
É loucura, é paixão, e amor. Três coisas diferentes. Mas que se juntaram para dar cabo da minha sanidade.
Há pouco entraste na sala. Com aquele sorriso tímido, mas belo. Um ar humilde, quando podias ser petulante. Os olhos negros, nessa escuridão não teria medo de entrar. Esse olhar sereno enlouquece-me. Pouco a pouco. Sorriste-me, como sempre sorris. E perdido, encontrei-me.
Aceita esta carta. Responde-me. Não, não respondas. Ou melhor…
Não sei se alguma vez ela chegará a ti. Vê como me deixas. Perdido, com medo de me encontrar. E gostava que fosses o meu ponto cardeal, mas tenho medo da viagem. De não chegar a bom porto. Medo que tu sejas a tempestade que me destrói e não o suave porto que me acolhe.
Amo-te. Menos do que poderei. Mais do que consigo suportar e, essencialmente, calar.
Tímido demais para gritar ao mundo, amo-te. Grito-o aqui, nesta folha de papel. Só para ti.
És senhora da minha voz.
Amo-te.
E tu?

(carta de amor escrita para um concurso da Bertrand, mas nunca enviada)

Passa, passas, passou?

O tempo passa. Passa por nós, por onde andamos e é das coisas mais subjectivas que existem.
Às vezes um minuto parece demorar uma eternidade, outras parece um segundo, a favor do tempo, parece que há alturas em que o minuto parece mesmo demorar um minuto.
Mas, avancemos.
O tempo passa, e nós? Estou no mesmo sítio onde há dez anos te conheci. Sou o mesmo? Claro que não! Onde andas tu? O que fazes? Não sei. Há algum tempo que não pensava em ti...
E como as coisas mudaram. Lembro-me de uma altura em que mesmo que quisesse não o podia deixar de fazer. O outro dia quando me apresentaram alguém, extremamente parecida contigo, olhei para essa pessoa largos segundos, se é que os segundos se alargam, e só quando o nome dela se afundou em mim tive a certeza de ser outra que não tu.
O tempo passa? Passa. E por mais que a situação nos pareça fútil ou importante, ele limpa-nos, circuncida-nos.
A partir de quando te afastaste nos meus pensamentos? Quando deixei de pensar em ti? Toldaste-me dias inteiros, zanguei-me com o mundo, com os meus amigos, com quem não conhecia quando, depois de marcarmos um encontro, não nos víamos. Outros tempos... Sem telemóvel, sem carro. Será que hoje seria diferente?
Antigamente colocavam o amor nas mãos de Cupido, depois de colocarem o amor nas mãos dos interesses das famílias ou clãs. Colocarão hoje alguns o amor nas tecnologias?
Mas falo de amor... e tenho de colocar-me a questão "Amei-te?"
Sentia-me inebriado na tua presença. Sempre que te via, perdia-me no futuro, sem atentar no presente. Não me sentia atraído sexualmente, sentía-me atraído por ti, achava-te a mulher, perdão, a miúda mais gira que conhecia. Infelizmente, a velha máxima servia-te. Eras um pouco tola. E talvez fosse isso. Mas, amei-te?
Não sei porque é que estou aqui, frente a um monitor, de noite. Quando todos fazem silêncio e muitos descansarão, escrevo isto.
Sei que casaste. Pouco mais sei. Eu? Aqui estou, solteiro convicto, com amigos verdadeiros, mas com pena de não ter mais gente a morar neste velho apartamento.
Quando me apresentaram aquela mulher, senti algo dentro de mim a mexer. Percebi que os adeptos dos blind dates, encontros amorosos tentavam fazer de cupido. Era ela linda, inteligente e muito divertida. Eu, na primeira oportunidade, saí da festa.
Porquê?
Devo estar parvo, se é que não o sou. Mas quando senti o coração bater mais rápido...
...
tive medo. Não adivinhas, pois não? Tive medo não de alguma coisa poder acontecer ou deixar de acontecer. Tive medo de...te ver nela.
Não rias ou sorrias sequer. Já passei por isso. Gostar de alguém por me lembro de ti, gostar não dela, mas de ti, olhar para ela e ver-te a ti, como o reflexo de um espelho. Tive medo que na minha mente ela já não fosse quem ela é, mas sempre tu.
Estou louco, velho, demasiado só?
O tempo passa. Mas às vezes faz gazeta, acredita no que te digo. Por muito que me custe, tu ainda não passaste por mim.
Olha para o copo, para o whisky dentro deste. Dá mais uma golada.
Sempre se considerou um homem com humor, sempre gostou de rir, e tem pena que já não haja boas anedotas.
Há um mês contaram-lhe uma sobre o Primeiro-Ministro. Achou piada, não tanto pelo sentido de humor, mas...pela crítica, por...sabe lá, uma anedota é também um curto tratado sociológico.
Poucos dias depois, contou-a a dois colegas durante um coffee-break.
Enche o copo mais uma vez.
Um dos colegas chibou-se, o circo começou e o pão foi oferecido pelas televisões, rádios e jornais.
O telemóvel não mais parou, uma semana depois disseram-lhe que estava demitido.
Bebe mais um gole...
"Porra! E o pior é que contei mal a anedota..."

Jogos de Palavras

O circo passava por imensas dificuldades financeiras.
Desesperado, decidiu clonar um clown.

Hábitos Linguísticos e a teimosia de cada um

Passou por um antigo cliente, ele sorrindo-lhe disse-lhe:-Ora, viva.
Sendo do contra, morreu.
Chove lá fora e dentro de mim. Cliché, claro, mas não menos verdade.
Não morreu ninguém. Simplesmente, acordei cinzento - mais um cliché!
Como explicar que um sentimento nos possa transformar o ser, mesmo que por breves momentos? Sejam eles minutos, horas, ou dias? Que a brevidade depende sempre do contexto. Não costumo ser assim...
Estou num daqueles momentos em que tudo me sai mal, da boca, do corpo, as palavras saem afiadas, os jeitos tornam-se mais ameaçadores do que esperado, o olhar é menos simpático.
Acordar depois de uma noite bem dormida, ser incapaz de sorrir, olhar-me no espelho e sentir pena, algum tipo de asco e estranheza perante a pessoa que sou reflectida ali. Por alguma razão olhamos para fora de nós. Penso que poucos ficam felizes com o que vêem aos espelhos, eu sei que não sou um desses. Olhar é ver o que está perto de mim, longe também. É esquecer-me um dia inteiro do que sou, de como pareço. É esquecer-me da minha aparência, é ausentar-me de mim. E depois, passo por um espelho, por vezes um vidro, e tenho um vislumbre de quem eu sou, da matéria de que sou feito.Quem és tu? Perdão, quem sou eu?
Vestir-me na estranheza de me cobrir, reinventar a idumentária, demasiado cinzenta, pouco negra. Vestindo um corpo que não bate com a alma, sendo alguém fisicamente diferente da pessoa dentro desse mesmo corpo.
Chove lá fora...
O meu estado de espírito não depende do tempo, já passei por isto em dias solarengos, quentes mesmo. Por isso, sei que andarei todo o dia a pingar, a chover este estado de espírito e é isso que mais me intranquiliza.
Espero que o sol apareça.
Entrou no alfarrabista num misto de alegria e alergia. Adora livros, velhos ou novos, ´tijolos` ou ´calços` de mesas, romances ou livros mais específicos.
Olhou à sua volta. Por onde começar? Espirrou uma primeira vez, ao pegar numa edição do início do século do seu romance português favorito - Os Maias.
Demorou imenso tempo na primeira estante. O dono, ali não havia empregados, pergunta-lhe se o pode ajudar, se procura algo específico.
"Nem sim, nem não." - responde. "Quero um livro, não sei qual. Acho que é ele que me vai escolher."
O alfarrabista sorri, está habituado a excêntricos, lunáticos, estudiosos, professores universitários, a leitores, a profissionais da escrita e aos amantes do livro.
Percebendo que cada um é como é, e que a relação com os livros é pessoal, sui generis, como uma relação entre marido e mulher, deixa-o só, após mais um espirro.
O homem vai vendo os títulos, as lombadas, os autores. Demora tempo com alguns livros, pesando-os, pensando no título, procurando entre as páginas algo que o prenda.
De repente, pega num volume amarelado pelo tempo. Espirra uma e duas vezes. O título fascina-o, não conseguindo perceber qual será o assunto. "Míriades ausentes". Desfolheia o livro. Fascinado com a tipologia do mesmo, sente que foi escolhido. Imagens, gravuras, poemas, crónicas, contos, tudo cabe dentro daquelas páginas.
Pergunta ao alfarrabista, que já o observava há algum tempo, o preço. Este sorri-lhe, diz que é uma oferta. O homem tenta perceber a razão.
O alfarrabista sorri-lhe, diz-lhe que fica para outra ocasião. "Leia-o primeiro, se quiser falar depois disso, venha até cá. De qualquer modo, acho que o livro o escolheu, realmente."
Ainda mais curioso, agradece ao velho dono, e avança a passos largos para casa.
A música entra-lhe no espírito. A letra, o compasso, a alegria.Tudo o contagia. Bate as palmas, olhando para a estrada.O carro derrapa um pouco, a alegria torna-se em susto, as mãos não conseguem suster o volante.Estampa-se contra uma parede. Ileso.
Ileso? O ego, não.
Dizem que os olhos são a janela da alma.
Não sei se serão, provavelmente por descuido e impossibilidade de analisar as almas.
Mas há olhos que nos prendem. Pela forma como enquadram um rosto, pela tristeza ou felicidade que deles emana, pela timidez ou coragem, porque sem olhos seríamos bem menos expressivos.
E lembro-me dela, a entrar na sala, num passo tímido, com os olhos em baixo.
Dela à procura de uma cara conhecida, em vão.
E enquanto ela percorria a sala, os meus olhos tentavam percorrer os seus, ciente de que não me via.
Via o nariz pequeno, bem desenhado, o cabelo castanho, pelo ombro, o vestido justo ao corpo, mas não demasiado justo, e a timidez, que de tão grande a vestia segunda vez.
Ela olhou-me, nos olhos, um segundo, menos que isso. Sentou-se numa das cadeiras, e ali ficou.
Numa folha de papel somos que quisermos, como quisermos. Num conto somos valentes e corajosos. Na vida real, na vida real temos medo do outro.
Fiquei mais algum tempo ali. Olhando para ela, de costas para mim. Imaginando aquilo que poderia ver, se quisesse. Os olhos dela.
Saí, e voltei a casa.
Num conto podemos inventar futuros, realidades, possibilidades. Na vida real amaldiçoamos a cobardia, e os momentos que deixamos passar.

Mudança(s)

Olhou para o local que tinha sido a sua casa nos últimos 15 anos.
Ali tinha passado toda a sua vida. Crescera, chorara, rira. Conhecia cada canto.
Olhando para a casa vazia pensava na distinção muito anglo-saxónica entre house e home.
Mesmo vazia aquela casa era mais do que uma casa.
Em frente a uma das janelas olha a rua em frente. Vê o Sr. Janeiro a passear o cão, o vizinho Frade a limpar compulsivamente o carro, vê a Dª Catarina sentada à janela, tirando mentalmente notas para a conversa com as outras velhotas, no café.
A sua casa, o seu lar não tinha só paredes, começava na rua, 50 metros acima, e terminava lá em baixo, na praceta. Começava no R/c e terminava no 3º andar. O seu lar começava nas caras que tinham um nome, e mesmo naquelas em que o ignorava.
O seu lar começava na vizinha que lhe abria a caixa do correio, com a chave dela (!), "Hoje tens uma carta!". Continuava na bola que era chutada pelo puto de cima, no som da aranha, a percorrer a casa, da irmã mais nova dele. Continuava nos amigos que lhe tocavam à porta para irem juntos no autocarro para a escola. O seu lar terminava ali.
A sua casa seria outra agora, noutro local, com novas caras, novos limites, novas manias. Demoraria tempo até ser novamente um lar.
Mesmo com os mesmos móveis.